quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Lula defende a bandeira da energia limpa na ONU

Pronunciamento aborda preservação ambiental, biocombustíveis e desenvolvimento

NOVA YORK (EUA) - Depois de ter usado as viagens bilaterais para falar a varejo do programa brasileiro dos biocombustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou ontem a platéia especial da abertura da 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) para fazer uma pregação no atacado: diante de representantes de 192 países, o presidente vinculou a produção de etanol e biodiesel à preservação ambiental.

O presidente lembrou que o Brasil sediou em 1992 a conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Rio-92, propôs uma avaliação "do caminho percorrido" e acrescentou que é preciso "estabelecer novas linhas da atuação". Para isso, sugeriu ao plenário da Assembléia Geral a realização, em 2012, de uma nova conferência mundial. "O Brasil se oferece para sediar a Rio+20", disse, fazendo alusão o fato de que a nova conferência aconteceria 20 anos depois da Rio-92.

Lula também aproveitou a reunião para mandar um recado sobre a Amazônia. Depois de citar o trabalho do governo para preservar a floresta, afirmando que o desmatamento "foi reduzido a menos da metade", o presidente avisou que não aceita intromissões nas políticas públicas para a região: "O Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania e nem de suas responsabilidades sobre a Amazônia".

Disse que é "plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos", e anunciou que "o Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis".

Resposta

A defesa dos biocombustíveis e a convicção de que a produção de etanol não compromete a produção de alimentos foram uma resposta às críticas que vem recebendo de presidentes como Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba, que condenam o uso de áreas agricultáveis para plantar cana e outras plantas usadas na produção de álcool combustível.

"O problema da fome no planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças", disse Lula. "A cana-de-açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis", exemplificou.

Ao dizer que os biocombustíveis podem ser muito mais do que "uma energia limpa", o presidente acrescentou que para "mais de uma centena de países pobres" da América Latina, da Ásia e, sobretudo, da África, o etanol "pode propiciar autonomia energética, gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar". E acrescentou que o Brasil dará, como exemplo, "todas as garantias sociais e ambientais à produção de biocombustíveis".

Riqueza e lucro

Lula abriu o discurso fazendo uma pregação radical contra a "cobiça irrefletida", a necessidade de mudar o "modelo de desenvolvimento" e de por fim à "relação irresponsável com a natureza" - sem isso, afirmou, o mundo pode viver uma "catástrofe ambiental e humana sem precedentes".

O presidente disse ser preciso "reverter a lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço". Emendou com uma frase de efeito: "Há preços que a humanidade não pode pagar".

Ao tratar da necessidade de enfrentar os problemas ambientais e climáticos, Lula disse ser "inaceitável que o ônus maior da imprevidência dos privilegiados recaia sobre os despossuídos da terra". E sentenciou: "Os países mais industrializados devem dar o exemplo", cumprindo o que foi estabelecido no Protocolo de Kioto.

O presidente citou positivamente a proposta do presidente francês Nicolas Sarkozy de ampliar o Conselho de Segurança da ONU com a inclusão permanente de países em desenvolvimento. O Brasil luta historicamente para ter direito a voto no órgão. "É hora de passar das intenções à ação".





25/09/2007

Ricardo Stuckert/PR



A íntegra do discurso

"Senhoras e senhores chefes de Estado e de governo, senhor Serjam Kerim, presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas, senhor Ban Ki-Mun, secretário-geral das Nações Unidas, senhoras e senhores delegados, cumprimento-o, senhor secretário-geral, por ter sido escolhido para ocupar posição tão relevante no sistema internacional. Saúdo sua decisão de promover debates de alto nível sobre o gravíssimo problema das mudanças climáticas. É salutar que essa reflexão ocorra no âmbito das Nações Unidas.

Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes. É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço. Há preços que a humanidade não pode pagar, sob pena de destruir as fontes materiais e espirituais da existência coletiva. Sob pena de destruir-se a si mesma. A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida.

O mundo, porém, não modificará a sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre o desenvolvimento e a justiça social. Se queremos salvar o patrimônio comum, impõe-se uma nova e mais equilibrada repartição das riquezas, tanto no interior de cada país como na esfera internacional. A eqüidade social é a melhor arma contra a degradação do planeta

Cada um de nós deve assumir sua parte nesta tarefa. Mas não é admissível que o ônus maior da imprevidência dos privilegiados recaia sobre os despossuídos da terra. Os países mais industrializados devem dar o exemplo. É imprescindível que cumpram os compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto.

O Brasil lançará em breve o seu Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. A floresta amazônica é uma das áreas que mais poderão sofrer com o aquecimento do planeta. Mas há ameaças em todos os continentes: elas vão do agravamento da desertificação até o desaparecimento de territórios ou mesmo de países inteiros pela elevação do nível do mar.

O Brasil tem feito esforços notáveis para diminuir os efeitos da mudança do clima. Basta dizer que, nos últimos anos, reduzimos a menos da metade o desmatamento da Amazônia. Um resultado como esse não é obra do acaso. Até porque o Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania nem de suas responsabilidades na Amazônia.

Os êxitos recentes são fruto da presença cada vez maior e mais efetiva do Estado Brasileiro na região, promovendo o desenvolvimento sustentável - econômico, social, educacional e cultural - de seus mais de 20 milhões de habitantes.

Estou seguro de que nossa experiência no tema pode ser útil a outros países. O Brasil propôs em Nairobi a adoção de incentivos econômico-financeiros que estimulem a redução do desmatamento em escala global. Devemos aumentar igualmente a cooperação Sul-Sul, sem prejuízo de adotar modalidades inovadoras de ação conjunta com países desenvolvidos. Assim, daremos sentido concreto ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

É muito importante o tratamento político integrado de toda a agenda ambiental. O Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92.

Precisamos avaliar o caminho percorrido e estabelecer novas linhas de atuação. Proponho a realização, em 2012, de uma nova conferência, que o Brasil se oferece para sediar, a Rio+20.

Senhoras e senhores, não haverá solução para os terríveis efeitos das mudanças climáticas se a humanidade não for capaz também de mudar seus padrões de produção e consumo. O mundo precisa, urgentemente, de uma nova matriz energética. Os biocombustíveis são vitais para construí-la. Eles reduzem significativamente as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, com a utilização crescente e cada vez mais eficaz do etanol, evitou-se nestes 30 últimos anos a emissão de 644 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Os biocombustíveis podem ser muito mais do que uma alternativa de energia limpa.

O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento: na América Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem propiciar autonomia energética, sem necessidade de grandes investimentos. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar. E podem equilibrar a balança comercial, diminuindo as importações e gerando excedentes exportáveis.

A experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar. A cana-de-açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema da fome no planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase 1 bilhão de homens, mulheres e crianças.

É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos. No Brasil, daremos à produção de biocombustíveis todas as garantias sociais e ambientais.

Decidimos estabelecer um completo zoneamento agroecológico do País para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis brasileiros estarão presentes no mercado mundial com um selo que garanta suas qualidades sociolaborais e ambientais.

O Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis, lançando as bases de uma ampla cooperação mundial no setor. Faço aqui um convite a todos os países para que participem do evento. A sustentabilidade do desenvolvimento não é apenas uma questão ambiental; é também um desafio social.

Estamos construindo um Brasil cada vez menos desigual e mais dinâmico. Nosso país voltou a crescer, gerando empregos e distribuindo renda. As oportunidades agora são para todos.

Ao mesmo tempo em que resgatamos uma dívida social secular, investimos fortemente em educação de qualidade, ciência e tecnologia. Honramos o compromisso do Programa Fome Zero ao erradicar esse tormento da vida de mais de 45 milhões de pessoas Com dez anos de antecedência, superamos a primeira das Metas do Milênio, reduzindo em mais da metade a pobreza extrema.

O combate à fome e à pobreza deve ser preocupação de todos os povos. É inviável uma sociedade global marcada pela crescente disparidade de renda. Não haverá paz duradoura sem a progressiva redução das desigualdades. Em 2004, lançamos a Ação Global contra a Fome e a Pobreza.

Os primeiros resultados são animadores, principalmente a criação da Central Internacional de Compra de Medicamentos. A Unitaid já conseguiu reduções de até 45% nos preços dos medicamentos contra a aids, a malária e a tuberculose destinados aos países mais pobres da África.

É hora de dar-lhe um novo impulso. Idéias que tanto mobilizaram nossos povos não podem perder-se na inércia burocrática.

Mas a superação definitiva da pobreza exige mais do que solidariedade internacional. Ela passa, necessariamente, por novas relações econômicas que não penalizem os países pobres.

A Rodada de Doha da OMC deve promover um verdadeiro pacto pelo desenvolvimento, aprovando regras justas e equilibradas para o comércio internacional.

São inaceitáveis os exorbitantes subsídios agrícolas, que enriquecem os ricos e empobrecem os pobres. É inadmissível um protecionismo que perpetua a dependência e o subdesenvolvimento. O Brasil não poupará esforços para o êxito das negociações, que devem beneficiar sobretudo os países mais pobres.

Senhor presidente, a construção de uma nova ordem internacional não é uma figura de retórica, mas um requisito de sensatez. O Brasil orgulha-se da contribuição que tem dado para a integração sul-americana, sobretudo no Mercosul.

Temos atuado para aproximar povos e regiões, impulsionando o diálogo político e o intercâmbio econômico com países árabes, africanos e asiáticos, sem abdicar de nossos parceiros tradicionais.

Criamos - Brasil, África do Sul e Índia - um foro inovador de diálogo e ação conjunta, o Ibas. Temos realizado inclusive projetos concretos de cooperação em diversos países, a exemplo de Haiti e Guiné-Bissau.

Todos concordamos ser necessária uma maior participação dos países em desenvolvimento nos grandes foros de decisão internacional, em particular o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É hora de passar das intenções à ação. Notamos, com muito agrado, as recentes propostas do presidente Sarkozy, de reformar o Conselho de Segurança, com a inclusão de países em desenvolvimento. Igualmente necessária é a reestruturação do processo decisório dos organismos financeiros internacionais.

Senhor presidente, as Nações Unidas são o melhor instrumento para enfrentar os desafios do mundo de hoje. É no exercício da diplomacia multilateral que encontramos os meios de promover a paz e o desenvolvimento.

A participação do Brasil, em conjunto com outros países da América Latina e do Caribe, na Missão de Estabilização no Haiti simboliza nosso empenho de fortalecer o multilateralismo. No Haiti, estamos mostrando que a paz e a estabilidade se constroem com a democracia e o desenvolvimento social.

Senhoras e senhores, ao entrar neste prédio, os delegados podem ver uma obra de arte presenteada pelo Brasil às Nações Unidas há 50 anos. Trata-se dos murais Guerra e Paz, pintados pelo grande artista Cândido Portinari.

O sofrimento expresso no mural que retrata a guerra nos remete à alta responsabilidade das Nações Unidas de afastar o risco de conflitos armados. O segundo mural revela que a paz vai muito além da ausência da guerra. Pressupõe bem-estar, saúde e um convívio harmonioso com a natureza. Pressupõe justiça social, liberdade e superação dos flagelos da fome e da pobreza.

Não é por acaso que o mural Guerra está colocado de frente para quem chega, e o mural Paz, para quem sai. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperança, guerra em paz, é a essência da missão das Nações Unidas. O Brasil continuará a trabalhar para que essa expectativa tão elevada se torne realidade. Muito obrigado."

Fonte: Folha Online

http://www.tribuna.inf.br/noticia.asp?noticia=pais07

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